12/11/2013
O juiz João Marcos Buch, da Vara de Execução Penal de Joinville (SC), nada contra a corrente. Enquanto pelo Brasil recrudescem as violações contra presos e seus parentes, especialmente através da revista vexatória que acontece na entrada dos presídios nos dias de visita, Buch luta para revogar decisão do Tribunal de Justiça que suspendeu, a pedido do Ministério Público Estatual, portaria editada por ele em maio que proibia a realização desse procedimento humilhante. Por cinco meses a decisão vigorou em Santa Catarina sem que se registrassem rebeliões ou aumento no número de armas, celulares e drogas apreendidas nas unidades prisionais.
Há 19 anos na área criminal, o juiz afirma que a revista vexatória é uma das maiores violações cometidas pelo Brasil atualmente. “Ela não envolve apenas os 550 mil presos que temos hoje no Brasil, mas também seus familiares e os agentes penitenciários, que em geral também se sentem muito constrangidos.” Ele rebate argumentos contrários fazendo uma constatação simples: o procedimento não é eficiente e nunca impediu, como mostram as fiscalizações, a entrada de objetos proibidos nos presídios. “Essas coisas entram muito mais através da corrupção do sistema do que pelos familiares.”
Levantamento parcial feito pela Rede de Justiça Criminal nas unidades penitenciárias de São Paulo reforça esse raciocínio: entre fevereiro e abril deste ano, por exemplo, das 12.866 visitas recebidas no Centro de Detenção Provisória de Taubaté, foram registrados apenas três flagrantes de porte de drogas e um porte de chip de celular, o que representa 0,03% dos casos. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, no primeiro trimestre de 2013 foram apreendidos 1222 celulares nas unidades prisionais do estado. Destes, apenas 104 foram encontrados durante a revista dos visitantes.
Para o juiz, a contribuição mais importante da portaria editada por ele foi mostrar que o sistema não entra em colapso com a extinção da revista vexatória. “Pelo contrário, ele passa a funcionar com mais tranquilidade. Inclusive os agentes perceberam que a dinâmica de segurança não mudou e que seu trabalho foi otimizado.” O governo de Santa Catarina, explica, adotou equipamentos eletrônicos como esteiras de raio-x e raquetes de detecção de metal para substituir o procedimento. “Também se está programando a aquisição de um scanner corporal, mas isso deve ser feito com cuidado, avaliando sua adequação aos parâmetros de saúde.”
Direito penal mínimo
A revista humilhante, para Buch, faz parte de um problema mais amplo, enraizado em um direito penal “segregacionista, violador por si só, que aumenta o fosso entre os que não vão presos e os que vão – a massa mais pobre". “As autoridades, o Judiciário, os agentes públicos, todos ignoram solenemente a ciência da criminologia, que há muito tempo explica o fenômeno da violência e mostra que ela não pode ser combatida com o chicote da pena”, diz.
O juiz afirma que, por experiência empírica, entre 80% e 90% dos presos que conheceu não precisariam estar em regime fechado se tivessem outras oportunidades. “A prisão não é necessária para a maioria. O mais eficaz seria mandar todos embora para que não fossem contaminados pelo sistema. E os outros 10% poderiam ser trabalhados pelo Estado de maneira mais eficaz.”
Nos últimos dez anos, a massa carcerária do Brasil duplicou e o País hoje possui a quarta maior população presa do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. “E a violência diminuiu? Talvez o contrário. A reincidência é muito alta, o que significa que o sistema torna a pessoa mais violenta. O direito penal brasileiro é irracional e não funciona para aquilo que oficialmente se propõe – promover a pacificação social através da pena.”
Lei de Drogas
A estratégia de encarceramento em massa anunciada por Buch vem sendo aprofundada, principalmente, através da política de drogas. Entre 2005 e 2010 a quantidade de pessoas condenadas por tráfico mais do que triplicou no Brasil. O aumento foi de 220%, segundo dados do Depen. Pesquisas mostram que a maioria os sentenciados seguem o perfil do homem jovem, negro e réu primário. Essa dinâmica que não diferencia consumidor e traficante e penaliza, via de regra, os moradores das periferias corre o risco de ser multiplicada a partir de iniciativas como a nova Lei de Drogas (PLC nº 37/2013, antigo PL 7663/2010).
“A lei já tem penas muito altas que não discriminam o grande traficante que traz cem quilos de cocaína da Bolívia daquele que vendeu uma pedra de crack na esquina. Isso é contraproducente e não se refletiu em uma redução do consumo – ao contrário. Sou favorável à proibição da droga, mas não na seara penal. É preciso encarar o problema sob a perspectiva da saúde pública”, defende Buch.
Para ele, a lógica penal que está por trás da chamada “guerra às drogas” converteu o sistema penitenciário em um “holocausto”. “Os agentes públicos precisam ter consciência, perceber a tragédia humana que está acontecendo por ordem do Estado. Se não fizermos alguma coisa, a história vai passar fatura.”
O juiz João Marcos Buch, da Vara de Execução Penal de Joinville (SC), nada contra a corrente. Enquanto pelo Brasil recrudescem as violações contra presos e seus parentes, especialmente através da revista vexatória que acontece na entrada dos presídios nos dias de visita, Buch luta para revogar decisão do Tribunal de Justiça que suspendeu, a pedido do Ministério Público Estatual, portaria editada por ele em maio que proibia a realização desse procedimento humilhante. Por cinco meses a decisão vigorou em Santa Catarina sem que se registrassem rebeliões ou aumento no número de armas, celulares e drogas apreendidas nas unidades prisionais.
Há 19 anos na área criminal, o juiz afirma que a revista vexatória é uma das maiores violações cometidas pelo Brasil atualmente. “Ela não envolve apenas os 550 mil presos que temos hoje no Brasil, mas também seus familiares e os agentes penitenciários, que em geral também se sentem muito constrangidos.” Ele rebate argumentos contrários fazendo uma constatação simples: o procedimento não é eficiente e nunca impediu, como mostram as fiscalizações, a entrada de objetos proibidos nos presídios. “Essas coisas entram muito mais através da corrupção do sistema do que pelos familiares.”
Levantamento parcial feito pela Rede de Justiça Criminal nas unidades penitenciárias de São Paulo reforça esse raciocínio: entre fevereiro e abril deste ano, por exemplo, das 12.866 visitas recebidas no Centro de Detenção Provisória de Taubaté, foram registrados apenas três flagrantes de porte de drogas e um porte de chip de celular, o que representa 0,03% dos casos. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, no primeiro trimestre de 2013 foram apreendidos 1222 celulares nas unidades prisionais do estado. Destes, apenas 104 foram encontrados durante a revista dos visitantes.
Para o juiz, a contribuição mais importante da portaria editada por ele foi mostrar que o sistema não entra em colapso com a extinção da revista vexatória. “Pelo contrário, ele passa a funcionar com mais tranquilidade. Inclusive os agentes perceberam que a dinâmica de segurança não mudou e que seu trabalho foi otimizado.” O governo de Santa Catarina, explica, adotou equipamentos eletrônicos como esteiras de raio-x e raquetes de detecção de metal para substituir o procedimento. “Também se está programando a aquisição de um scanner corporal, mas isso deve ser feito com cuidado, avaliando sua adequação aos parâmetros de saúde.”
Direito penal mínimo
A revista humilhante, para Buch, faz parte de um problema mais amplo, enraizado em um direito penal “segregacionista, violador por si só, que aumenta o fosso entre os que não vão presos e os que vão – a massa mais pobre". “As autoridades, o Judiciário, os agentes públicos, todos ignoram solenemente a ciência da criminologia, que há muito tempo explica o fenômeno da violência e mostra que ela não pode ser combatida com o chicote da pena”, diz.
O juiz afirma que, por experiência empírica, entre 80% e 90% dos presos que conheceu não precisariam estar em regime fechado se tivessem outras oportunidades. “A prisão não é necessária para a maioria. O mais eficaz seria mandar todos embora para que não fossem contaminados pelo sistema. E os outros 10% poderiam ser trabalhados pelo Estado de maneira mais eficaz.”
Nos últimos dez anos, a massa carcerária do Brasil duplicou e o País hoje possui a quarta maior população presa do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. “E a violência diminuiu? Talvez o contrário. A reincidência é muito alta, o que significa que o sistema torna a pessoa mais violenta. O direito penal brasileiro é irracional e não funciona para aquilo que oficialmente se propõe – promover a pacificação social através da pena.”
Lei de Drogas
A estratégia de encarceramento em massa anunciada por Buch vem sendo aprofundada, principalmente, através da política de drogas. Entre 2005 e 2010 a quantidade de pessoas condenadas por tráfico mais do que triplicou no Brasil. O aumento foi de 220%, segundo dados do Depen. Pesquisas mostram que a maioria os sentenciados seguem o perfil do homem jovem, negro e réu primário. Essa dinâmica que não diferencia consumidor e traficante e penaliza, via de regra, os moradores das periferias corre o risco de ser multiplicada a partir de iniciativas como a nova Lei de Drogas (PLC nº 37/2013, antigo PL 7663/2010).
“A lei já tem penas muito altas que não discriminam o grande traficante que traz cem quilos de cocaína da Bolívia daquele que vendeu uma pedra de crack na esquina. Isso é contraproducente e não se refletiu em uma redução do consumo – ao contrário. Sou favorável à proibição da droga, mas não na seara penal. É preciso encarar o problema sob a perspectiva da saúde pública”, defende Buch.
Para ele, a lógica penal que está por trás da chamada “guerra às drogas” converteu o sistema penitenciário em um “holocausto”. “Os agentes públicos precisam ter consciência, perceber a tragédia humana que está acontecendo por ordem do Estado. Se não fizermos alguma coisa, a história vai passar fatura.”
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