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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Artigo: O sistema medieval das penitenciárias brasileiras

Artigo: O sistema medieval das penitenciárias brasileiras

Larissa Veloso - 9:00 - 16/01/2014
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    Imagens de cabeças decapitadas, amontoadas no pátio de um presídio, correram as redes sociais e chocaram o mundo na última semana.

    Os donos dos corpos já sem vida eram detentos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, capital do Maranhão, um dos estados mais pobres do Nordeste brasileiro. Os executores eram presos de uma facção rival, e o massacre aconteceu durante uma rebelião no final de 2013.
    O vídeo não é o único retrato do caos que tomou conta do sistema carcerário brasileiro. Imagens de um presidiário sendo barbaramente torturado (preservaremos os leitores dos detalhes sórdidos) na mesma penitenciária já rodaram a internet. Relatos de detentos que são obrigados a comer carne crua e beber da própria urina para não morrer de sede também podem ser encontrados em meio às notícias.
    Um dos principais motivos desse sistema desumano é a superlotação. No Brasil, 548 mil presos ocupam 310 mil vagas. A matemática e a física indicam que a conta está errada. Mas é isso mesmo. Como o Estado brasileiro prende mais pessoas do que é capaz de administrar, faltam vagas e sobram detentos. Assim, celas em que caberiam seis abrigam mais de 20. Sem cômodos suficientes, delegacias e prisões não raro usam contêineres para abrigar detentos, amontoando pessoas em uma caixa de metal exposta ao sol durante horas. Além de dignidade, falta comida, falta água, faltam estruturas básicas de higiene e, sobretudo, falta segurança.
    Por mais estarrecedor que pareça, a opinião de grande parte dos brasileiros, a julgar pelos comentários em sites e redes sociais, é de que o castigo é bem merecido. "Vagabundo tem que sofrer mesmo", "dignidade é para as famílias das vítimas" e "na hora de roubar e matar ele não teve dó de ninguém" são algumas das frases raivosas que circulam pela internet. A sede de sangue dos brasileiros em relação aos presidiários é tanta que, quando o governo anunciou que a família do preso que tiver contribuído com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) teria direito a receber o benefício, a indignação tomou conta de parte dos internautas. Em tempo: o auxílio do INSS, pago todos os meses pelo trabalhador, é concedido sempre em casos de desemprego ou afastamento por doença. Ao conceder o benefício às famílias dos detentos que contribuíram com o INSS, o governo tem o objetivo de evitar que os filhos dos mesmos tenham também que recorrer ao crime.
    Na sede cega de Justiça, porém, escapa um mínimo de raciocínio lógico. Deixando toda a questão da dignidade humana de lado, digamos que os presos que cometeram crimes bárbaros mereçam esse tipo de tratamento. De início já temos um problema: nem todos os presidiários cometeram crimes bárbaros. O sistema carcerário brasileiro está de tal modo configurado que um ladrão de galinhas pode acabar dividindo a cela com um homicida. Em segundo lugar, não há sequer certeza de que parte dos presidiários seja de fato culpada, sendo que mais de 195 mil são presos provisórios, que muitas vezes ainda aguardam julgamento. Como o judiciário brasileiro também é sobrecarregado, a Justiça é lenta, o que faz com que inocentes passem anos na cadeia.
    Além disso, o sistema prisional falha, e muito, em reduzir a criminalidade (partimos do pressuposto de que a diminuição da violência seja um dos objetivos da reclusão, certo?). Isso porque, com o controle deficiente, muitos presos comandam crimes de dentro das próprias penitenciárias. Também estima-se que em torno de 60% dos presidiários venham a cometer novos crimes ao serem soltos. Depois de passar por um regime bárbaro, no qual se recebe penas muito além das quais se foi condenado, o detento que sai da cadeia encontra as portas do mercado de trabalho fechadas. Sem programas de reinserção social e muitas vezes sem a ajuda da família (que também teve que se virar para se manter), ele não vê alternativa a não ser voltar a cometer crimes, muitas vezes com a ajuda de ex-colegas de cela.
    Diante de todo esse cenário, denunciado há anos pela própria ONU e por entidades de direitos humanos, as cenas de brutalidade do Complexo Penitenciário de Pedrinhas não são de todo uma surpresa. Afinal, de homens que foram privados de todo tipo de direitos humanos, só podemos esperar um comportamento medieval.
    Larissa Veloso é jornalista freelancer e editora adjunta do portal elEconomistaAmerica Brasil. Escreve semanalmente neste espaço. Este artigo não reflete necessariamente as opiniões do El Economista América.


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