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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

ARTIGO: Desmilitarização da polícia por Abdael Ambruster

Desmilitarização da polícia

O processo de desmilitarização da Polícia Militar passa pelo rompimento do cordão umbilical que ainda a liga ao Exército, deixando de ser tropa auxiliar
Por Abdael Ambruster
Desmilitarização da polícia
Quarta-feira, 6 de agosto de 2014
A desmilitarização das polícias é uma questão há muito abordada tanto por estudiosos, profissionais de segurança pública, juristas e pela sociedade civil brasileira como por órgãos da comunidade internacional. A partir das manifestações de junho de 2013, no entanto, tornou-se um dos temas centrais em debate, e a discussão tomou corpo no Congresso Nacional com a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 51/2013, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

De acordo com o Art. 144 da Constitucional Federal, no âmbito estadual existem duas polícias: a civil, de atividade investigativa e preventiva, e a militar, de atividade ostensiva e repressiva. É exatamente esse modelo policial (civil e militar) de segurança pública que a PEC 51 visa reestruturar.


Ditadura militar

A partir de 1964, a Polícia Militar foi amplamente utilizada pelo governo golpista como meio de repressão e controle da população que protestava contra o regime ditatorial. Não se há de esquecer que o Serviço Nacional de Informações (SNI), antecessor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e muitos agentes da Polícia Civil, em conluio com agentes da norte-americana CIA, efetuaram diversas ações que configuram crimes contra a humanidade, no intuito de prolongar o Estado de exceção. Segundo diversos relatos, inclusive de agentes da ditadura, a exemplo do ex-delegado Claudio Guerra, era assim que o regime militar atuava contra a resistência da esquerda brasileira, ou mesmo contra quem era de alguma forma contrário a ele: prisões, torturas, desaparecimentos e mortes.

No estado de São Paulo, por exemplo, a Força Pública e a Guarda Civil foram extintas para a criação da Polícia Militar, com a Doutrina de Segurança Nacional importada para dentro de seus quartéis. Desenvolvida na Escola Superior de Guerra, subordinada ao Estado-Maior das Forças Armadas e estruturada conforme a National War College do EUA, essa doutrina teve entre seus idealizadores os generais Humberto de Castelo Branco e Golbery do Couto e Silva, criador do SNI.

De concepção de defesa nacional, seu objetivo era identificar e eliminar os inimigos internos, ou seja, aqueles que se opunham ao governo golpista. No entanto, mesmo após a abertura política e o fim do regime ditatorial, esses reflexos continuam a ser preconizados no interior dos quartéis das PMs.

Entre as origens da violência policial, portanto, está a doutrina ultrapassada, advinda de uma época em que a disputa pela hegemonia mundial (Guerra Fria) não poupou a democracia dos países latino-americanos e os direitos fundamentais de seus habitantes. Uma violência que protagonizou e ainda protagoniza diversos fatos da história recente de nosso país, desde assassinatos por parte de grupos de extermínio nas periferias de São Paulo e outras cidades do Brasil, o Massacre do Carandiru, em 1992, até o desaparecimento de Amarildo de Souza, morador da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), cuja função principal é o policiamento comunitário.

Hoje, em pleno Estado Democrático de Direito, a estrutura da PM se iguala à do Exército, e essa relação não termina aí. Apesar de serem de responsabilidade das unidades da Federação, as PMs possuem um órgão fiscalizador ligado ao Exército, a Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM), e um órgão julgador próprio, os Tribunais Militares Estaduais. A existência destes é prevista no Art. 125 da Constituição para os estados que tenham efetivo superior a 20 mil integrantes. No entanto, apenas três o possuem ­– São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul –, e conforme o Conselho Nacional de Justiça custam ao erário R$ 100 milhões por ano.

Segundo o ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, polícias são instituições destinadas a garantias de direitos e liberdade dos cidadãos, nada têm a ver com o Exército, que atende a sua missão constitucional, tornando possível o pronto emprego, qualidade essencial às ações bélicas destinadas à defesa nacional. A desmilitarização da PM foi defendida inclusive pela maioria dos 64.130 servidores – entre policiais civis, militares e federais, policiais rodoviários, peritos, agentes penitenciários e guardas municipais – entrevistados na consulta “O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil”, realizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), em parceria com o Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD).

Tribunais militares

Em audiência realizada em novembro de 2012, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Barbosa, propôs instituir um grupo de trabalho, sugerido pelo então conselheiro Bruno Dantas, para avaliar a Justiça Militar no âmbito estadual e federal e a possibilidade de extinção dos Tribunais Militares do Rio Grande do Sul, de São Paulo e Minas Gerais e do Superior Tribunal Militar. Os motivos para essa decisão, os gastos exorbitantes e a morosidade na apuração dos processos, como foi o caso do Tribunal Militar do Estado de Minas Gerais, onde 82% deles prescreveram.

No ano de 2008, por exemplo, o CNJ identificara diversos problemas no TJM do Rio Grande do Sul, apontados pela Portaria de Inspeção nº 89/2008: nepotismo, falta de transparência, morosidade, censura pública à magistratura – caracterizando falta de independência dos juízes de primeiro grau da Justiça Militar, em ato atentatório por parte do tribunal –, cargos em comissão ocupados por servidores sem vínculo com a administração pública, desvio de função, salários acima do teto constitucional, atuação (falta de) da Corregedoria.

O grupo de trabalho foi constituído em 17 de abril de 2013, por meio da Portaria nº 60 do CNJ, e de lá para cá foram realizados levantamentos de dados dos tribunais, uma oficina de discussão em fevereiro de 2014 e a solicitação da prorrogação do prazo dos trabalhos, com previsão de votação das propostas para a Justiça Militar a partir de agosto de 2014. De acordo com o então conselheiro do Bruno Dantas, os gastos do Tribunal de Justiça Militar (TJM) de São Paulo são os mais elevados – R$ 40 milhões por ano. Já os de Minas Gerais e Rio Grande do Sul custam em torno de R$ 30 milhões cada um, ou seja, uma quantia elevada para o julgamento de poucos processos. Juntos, ambos somavam 4 mil, no final de 2011, enquanto o número de processos pendentes no Poder Judiciário supera os 60 milhões.

Comunidade nacional e internacional

Em 2012, o Exame Periódico Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou a desmilitarização da polícia no Brasil.

Já no ano de 2013, durante o 7º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi redigida a Carta de Cuiabá, com recomendações para o aprimoramento da segurança pública em nível nacional, entre as quais a reestrutura do atual modelo de segurança pública:

“Reforma do modelo atual de organização policial, com a gradativa adoção de instituições policiais de ciclo completo nos estados, a desmilitarização da natureza e da organização policial no país, a garantia de autonomia funcional e operacional para os órgãos periciais e a consolidação legal das atribuições das guardas municipais como parte do sistema, atuando na manutenção da segurança urbana, na mediação de conflitos e no suporte ao policiamento de proximidade e comunitário”.

Conclusão

Não existem pontos negativos com relação à desmilitarização da PM. Esse processo passa pelo rompimento do cordão umbilical que ainda a liga ao Exército – por meio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares, com o fim desta –, deixando de ser tropa auxiliar. Os altos gastos e os demais problemas apresentados pelos TJMs estaduais, como ficou comprovado, não justifica a permanência dessas instituições, como ficou comprovado, e toda a sua estrutura, uma vez extintos, migraria para os Tribunais de Justiça dos estados.

Esse rompimento já faz parte de um todo do processo, pois seria o fim da continuidade de uma doutrina imposta nos anos de chumbo, assim como o investimento na reestrutura das academias de formação, a valorização do policial, bem como a aprovação da PEC 51/2013. Tais ações seriam de suma importância para que, finalmente, a reforma do atual modelo de organização policial no Brasil entrasse em sintonia com os tempos de um Estado Democrático de Direito.

*Abdael Ambruster é especialista em Criminalística, com ênfase em Perícia Forense, pelo Instituto Keynes/UNG-SP. Tecnólogo em Gestão de Segurança Patrimonial pela Uniban-SP, integra o Setorial Estadual de Segurança Pública do PT/SP e coordena o Setorial Regional (PT Freguesia do Ó/Brasilândia) de Segurança Pública. Especializando em Direitos Humanos e Segurança Pública pela Senasp/Acadepol-SP

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