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sábado, 4 de fevereiro de 2017

ABDAEL AMBRUSTER : Crise infinita no Sistema Penitenciário Brasileiro



Uma análise sobre um dos assuntos de maior discussão do momento, que é a crise nos presídios brasileiros. De quem é a culpa afinal de contas?

26 de Janeiro de 2017
Por Especialista ABDAEL AMBRUSTER
Agente de Segurança Penitenciária
Penitenciaria feminina de Santana

ANTES DE QUALQUER COISA, GOSTARIA de agradecer ao meu querido amigo Carlinhos pela oportunidade de estar colaborando para com o seu site acerca de alguns “pitacos” a respeito de segurança pública, sistema penitenciário, perícia, inteligência, corrupção, violência e criminalidade.

A gente se conhece desde o ensino fundamental na Escola Plínio Ayrosa em São Paulo e, por circunstâncias da vida, cada um tomou o seu rumo e pudemos finalmente estreitar os nossos contatos graças a essa abençoada tecnologia e amigos que não deixaram que a distância atrapalhasse o contato da “patota” da geração X dos anos 80/90.

Pois bem, começo a tecer o meu entendimento apontando que é interessante perceber que apesar da importância secular que esses temas (segurança pública etc.) possuem, parece que um fantasma se acorrentou em nossos gestores e esses não conseguem fazer o trivial na moderna gestão que antes de tudo é admitir que um problema exista.

É inacreditável como muitas desculpas são despejadas aos holofotes da mídia, mas não se consegue admitir, “erramos e precisamos planejar melhor”.

Existem muitos problemas a serem resolvidos nos subsistemas de justiça do Brasil, contudo, vou me debruçar em um que hoje é o mote do momento e, infelizmente, sairá dos holofotes quando o caos passar, voltando mais uma vez ao arquivo 6º de mais uma prateleira, o Sistema Penitenciário Brasileiro.


Lembro como se fosse hoje, quando eclodiu no maior sistema penal do país a mega rebelião de 2001, naquela época, o Estado de São Paulo possuía em seu sistema penal em torno, conforme cronograma do site da Secretaria da Administração Penitenciária, 72 Unidades penaisˡ, sendo que o PCC (primeiro comando da capital) conseguiu rebelar 27 presídios.

Aqui não vou utilizar a tática Voldemort, (vilão do filme Harry Potter) como faz a nossa imprensa e os órgãos de estado, ao não dizer o nome do vilão, pois de repente ele pode aparecer. O vilão existe e está lá, instalado nos presídios, e pior, pulou as muralhas e tomou conta de bairros, cidades, estados e ultrapassou até fronteiras.

Já naquela época, a imprensa deu como manchete que a maior rebelião do país expôs o caos do sistema penitenciário².

No ano de 2006, ocorre o ataque do PCC às forças de segurança do Estado, atentados a prédios públicos, rebeliões nos presídios, a paralisação da maior metrópole da América Latina. Ao todo, mais de quatro centenas de pessoas assassinadas (entre agentes penitenciários, policiais civis, militares e civis), IMLs lotados, o caos no sistema de segurança pública de São Paulo, o que levou a Human Rigths e a Universidade de Harvard (eu disse Harvard) elaborar um estudo chamado “São Paulo sob achaque”³, a respeito da corrupção policial para com a provocação dos ataques em 2006, bem como o teor do ataque e as suas consequências. Lembrando que o canal Discovery fez um documentário anterior ao estudo de Harvard chamado “São Paulo sob ataque”⁴, vale a pena assistir.

Esses são apenas casos não tão antigos (temos mais antigos ainda) que poluem a história do malfadado sistema penal brasileiro.

Em 2007, foi aberta a CPI do Sistema Penal, centenas de páginas de relatórios feitos, dinheiro público gasto aos milhões para bancar a ida de dezenas de pessoas ligadas aos diversos órgãos públicos para apurar o que acontecia no sistema penal brasileiro. Finalmente eles (deputados, juízes etc.) foram aos presídios ver onde eram despejadas aos milhares as pessoas que descumpriam as leis nesse país, afinal de contas a pena a ser cumprida em um presídio consiste no básico do entendimento: fazer com que o indivíduo cumpra a sua reprimenda com vistas a sua reflexão.

É deveras interessante apontar que o presidente da câmara federal à época é o mesmo que hoje ocupa de forma indireta a presidência do país, e mesmo assim parece que não se ateu ao relatório da CPI.

Com tudo isso, presídios superlotados que falharam em seu principal objetivo: a recuperação do apenado. Um sistema penal desumano e tomado por facções criminosas. A sociedade e os políticos acabaram por se esquecer de um ator de suma importância para a manutenção dos presídios, ator esse que só é lembrado quando porventura esse é tomado como refém ou quando casos de corrupção aparecem na televisão, ou mesmo por reivindicação salarial, o agente penitenciário.

Esse policial, pois trabalha como policial, recebe como policial, morre como policial em razão do dever, é considerado como policial pelo crime organizado, mas não recebe o mesmo tratamento por parte do ente governamental.

No seu parecer final, os integrantes que compuseram a CPI do Sistema Penal, opinaram pela legalização da atividade policial por parte dos agentes, houve até o primeiro CONSEG (Conselho Nacional de Segurança) em 2009, onde a diretriz principal votada foi a criação da Polícia Penal, a PEC que norteia a criação da polícia penal (PEC 308/2004) até hoje não foi promulgada.

Na Itália, durante a operação Mãos Limpas, a máfia italiana foi combatida dentro e fora dos muros, e dentro dos muros essa missão coube à polícia penitenciária italiana.

Os agentes penitenciários brasileiros continuam amargando o descaso governamental. Recentemente foi promulgado o decreto que cria a Comissão de Reforma do Sistema Penitenciário Nacional⁵, desta forma, faço um convite aos leitores a darem uma lida no conteúdo do decreto, pois perceberão que não há dentre os convidados a compor o nobre corpo de notáveis da comissão, um único agente penitenciário estadual (oras, a crise é nos presídios estaduais).

Os representantes que lá estão são todos ligados à área federal, inclusive um agente penitenciário federal, oras, acaso a crise estivesse ocorrendo com as polícias civis estaduais, o presidente deixaria de fora um representante dos delegados estaduais e só chamaria um delegado federal? As condições do sistema penitenciário federal em nada se parecem com o sistema penitenciário estadual, assim como a polícia federal tem suas funções e atuações em áreas distintas da atuação da polícia civil dos Estados.

Temos uma comparação mais simples, acaso tivéssemos um hospital estadual onde a crise fosse a morte de pacientes por complicações neurológicas e para resolver o problema, o Secretário de Saúde convoca médicos especialistas em dermatologia ao invés dos médicos especialistas em neurologia? Como seria a reação da sociedade e da imprensa perante esse absurdo?

Infelizmente é assim que os gestores políticos tratam os agentes penitenciários e o sistema penal brasileiro. Falta a esses gestores simplesmente isso, competência, gestão e humanidade. •

 Fonte: ​http://www.mundodeconceitos.com.br/aa-crise-infinita-no-sist-penitenc

¹ http://www.sap.sp.gov.br/uni-prisionais/novas-uni.html
² http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/maior-rebeliao-da-historia-do-pais-expos-mazelas-do-sistema-penitenciario-11167174
³ hrp.law.harvard.edu/wp-content/uploads/2011/05/full-with-cover.pdf
⁴ https://www.youtube.com/watch?v=TTNBzoX90rs
⁵ http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/dsn%2018-01-14435-2017?OpenDocument

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