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domingo, 28 de julho de 2013

Agentes penitenciários: Guerreiros do cárcere

Agentes penitenciários: Guerreiros do cárcere

Eles são esquecidos pela sociedade e têm expectativa de vida de 45 anos. Estado têm 152 unidades prisionais, sendo 38 Centros de Detenção Provisória, e concentra a maior população carcerária do País

por Carlos Ratton
Se você perguntar para qualquer criança o que ela gostaria de ser quando crescer vai ouvir inúmeras profissões. Mas, com certeza, nenhuma delas vai dizer: eu gostaria de ser agente penitenciário. E não é difícil descobrir o porquê dessa verdadeira ojeriza a esse tipo de trabalho: o profissional trabalha em condições precárias, a sensação de perigo é constante e tem uma expectativa de vida entre 40 a 45 anos de idade.

As informações fazem parte do relatório final de um trabalho de pesquisa, comandado pela professora doutora Rosa Maria Ferreiro Pinto, da Universidade Católica de Santos (UniSantos), voltado para avaliar, entre outros pontos, o estresse ocupacional de agentes de segurança penitenciária do Centro de Detenção Provisória (CDP) Doutor Luiz Cesar Lacerda, de São Vicente.


“A experiência adquirida nessas pesquisas mostrou que o sistema penitenciário é um universo altamente complexo e expõe de forma nua e crua a face mais perversa da miséria humana e das consequências de um sistema produtivo injusto e desigual. Tudo parece calmo, entretanto, isso é uma bomba prestes a explodir de uma hora pra outra”, aponta o trabalho, que chegou ao Diário do Litoral pelas mãos do vereador de Mongaguá Renato Carvalho Donato (PSB).

Donato, que participou da pesquisa e trabalhou como agente durante 12 anos (dos 18 aos 30 anos de idade) revela que a escala de trabalho é de 12 horas por 36 de descanso — totalizando 40 horas semanais. Os agentes são os profissionais que mais contato têm com os presos, garantem a disciplina e a segurança interna do presídio — condições fundamentais para que todas as outras atividades se desenvolvam.
Conforme a pesquisa, o medo, as relações endurecidas que se observam no sistema prisional e a tensão do perigo iminente que envolve o trabalho do agente penitenciário são fatores que podem levar ao estresse ocupacional, que interfere significativamente nas relações de afeto e amizade, podendo, inclusive, desencadear outros problemas ainda mais estressantes gerando um círculo vicioso de proporções cada vez mais imprevisíveis.

“A sensação de segurança no trabalho é baixa. Aliado a isso, existe a falta de reconhecimento, por parte da sociedade, da função social do agente penitenciário. No entanto, esse profissional é um guerreiro, que entra em um local perigoso e superlotado, sem arma na mão. Entra com a cara e com a coragem, abre e fecha portas para centenas de presos e não sabe o que acontecerá, se sairá ileso e voltará para casa”, afirma Donato.
Agentes penitenciários são esquecidos pela sociedade e podem sofrer doenças psicológicas (Foto: Divulgação)
Agentes penitenciários são esquecidos pela sociedade e podem sofrer doenças psicológicas (Foto: Divulgação)

Palavra

O vereador e ex-agente explica que a única arma do profissional é a palavra. Segundo conta, muitos impasses são resolvidos pelo poder de argumentação do agente. “Há uma troca. Por exemplo, o preso precisa de um determinado utensílio para sua higiene pessoal e sabe que é o agente que pode proporcionar isso para ele. Enfim, toda a vida do preso depende do agente. Até informações sobre mudanças na política de segurança pública são transmitidas pelos agentes aos presos”.
Donato salienta as dificuldades de adaptação ao sistema por novos presos que, em muitos casos, tentam mostrar poder e só mais tarde descobrem que o agente é que consegue alimentação, um médico, idas ao fórum, enfim. “Só com o passar do tempo é que o preso descobre que a confiança é tudo dentro do presídio e a perda dela, associada à perda de controle, é que acarreta problemas como rebeliões”.

Outra questão é a somatória de problemas de saúde causados em função do trabalho do agente, envolvendo hipertensão, diabetes e outras. Há, segundo Donato, até casos de suicídio. “Eu perdi um amigo nessa situação. Os problemas acabam se transferindo para o convívio familiar. O agente penitenciário sofre sem que a população veja. Ninguém se preocupa com um profissional que acaba absorvendo as mazelas da sociedade. Ele reeduca a pessoa. Ele cuida de pessoa que a sociedade não quer mais”.

Donato garante, sem demagogia, ter muito orgulho da ex-profissão. Fora da Câmara, ele divide seu trabalho de advocacia com outro social que realiza dentro da Fundação Casa. Com toda a sua experiência, ele garante: “65% dos presos que conseguem sair voltam para a prisão. Enquanto a política de segurança pública não for entendida como de Estado, mas sim de Governo, a situação não muda. É preciso um trabalho intenso e extenso de inteligência, ação social, educação, saúde básica e, acima de tudo, de acompanhamento à família do preso. A falta de estrutura familiar, responsável pela superlotação, vem desde não ter o nome do pai na certidão de nascimento”, finaliza.
 
Estudo

Outro estudo, apontado pelo vereador, é o do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), realizado pelo psicólogo Arlindo da Silva Lourenço, que ratifica que as péssimas condições de infraestrutura das penitenciárias, a extensa jornada de trabalho e o estresse são os fatores responsáveis pela baixa expectativa de vida dos agentes penitenciários.

Lourenço trabalhou como psicólogo em penitenciárias masculinas do Estado e, entre 2000 e 2002, foi um dos responsáveis, na Escola de Administração Penitenciária, pela implementação de uma política de saúde dos trabalhadores (que acompanhou os agentes vitimados em rebeliões). Pelo estudo, cerca de 10% dos agentes penitenciários se afastam de suas funções por motivos de saúde, geralmente, desordens psicológicas e psiquiátricas.

O trabalho de Lourenço informa que a realidade precária e carente de equipamentos materiais básicos do sistema prisional brasileiro foi apontada como fator de desorganização psicológica dos trabalhadores. Segundo ele, as penitenciárias são repletas de ambientes úmidos e de iluminação insuficiente, de cadeiras sem encosto ou assento, e janelas de banheiros quebradas, elementos que comprometem o bem-estar e a privacidade de agentes e de sentenciados.

Para o psicólogo, essas condições deterioram e empobrecem a pessoa, além de influenciar na capacidade de ressocialização do detento. “Como dizer para o detento que a vida pode ser diferente o aprisionando em um ambiente insalubre, empobrecido, de miséria e desgraça? Os recursos atuais não permitem a execução do trabalho do agente penitenciário com decência, o que implica em um não reconhecimento de sentido na profissão e, por consequência, em um não reconhecimento de sua função social e de sua existência”, alertava o psicólogo.
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