Pesquisar este blog

terça-feira, 15 de julho de 2014

A INVIABILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO DE PRESÍDIOS

AOS AMIGOS OPERADORES DO DIREITO E SERVIDORES DO SISTEMA PRISIONAL

O SINDAPEN trás este brilhante estudo escrito pela ilustríssima doutora Rita Tourinho Promotora de Justiça, Professora de Direito Administrativo, Mestre em Direito Público pela UFPE, que faz uma explanação incontestável sobre a impossibilidade jurídica de se privatizar ou delegar a terceiros o sistema prisional e a execução da pena pelos motivos bem expostos abaixo.
Esta é leitura obrigatória para quem deseja dirimir suas duvidas quanto a esta matéria, que não é tão simples, é complexa, porem o estado enveredou no pior caminho que poderia trilhar na intenção de resolver a questão prisional em nosso estado.
Desta forma, segue o texto, e espero sinceramente os comentários e que se abra um debate aqui sobre este tema que não é só de interesse da classe dos agentes penitenciários e sim, de toda sociedade.


A INVIABILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO DE PRESÍDIOS

Questão que se coloca é a possibilidade de terceirização de serviços penitenciais, ou melhor dizendo, terceirização de presídios.


Argumenta-se favoravelmente ao tema, a falência do sistema carcerário no Brasil. Não nos cabe neste trabalho abordar as razões de tal fracasso. Para nós, no entanto, torna-se claro que a falta de vontade política, aliada à enorme máquina burocrática do Estado, contribuem decisivamente para a construção da teoria em defesa da terceirização de presídios.

Aliás, a questionável falta de eficiência da Administração Pública, muitas vezes fruto da incompetência de alguns gestores públicos, tem servido de coro para justificar as privatizações que vêm ocorrendo no cenário nacional.


Sabe-se que o regime de vingança privada, como forma de composição de conflito na seara penal, evoluiu à instituição do monopólio do exercício do poder de punir atribuído somente ao Estado. Compete ao Estado exercitar e executar o jus puniendi. Assim, no exercício do jus puniendi, cabe-lhe a realização do direito penal material, concretizado na sentença condenatória. Já na execução da pena, o Estado-Administração atua através de seus órgãos, embora sob controle jurisdicional.

Nesse diapasão a responsabilidade pela assistência e integridade física e moral de um condenado em regime de cumprimento de pena cabe ao Estado. Em virtude do que determina o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, combinado com o arts. 40 e 41, o que vier a acontecer com o condenado em cumprimento de pena, poderá ser imputado ao Estado na forma do art. 37, §6º, da Carta Constitucional.

A Lei de Execução Penal, por sua vez, preocupa-se com a composição do quadro de servidores que atuam na execução da pena. Assim, o art. 75 da lei estabelece os requisitos necessários para “ocupante do cargo de diretor de presídio”. O art. 76 se refere à organização do quadro pessoal penitenciário. Já o art. 77, trata da escolha de pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância.


7É espécie do gênero concessão comum, com a peculiaridade no seu regime remuneratório, que deve incluir tanto tarifa cobrada aos usuários como contraprestação do concedente em forma pecuniária (Lei das PPPs, art. 2, §1º).
8É aquela em que, tendo por objeto os serviços públicos a que se refere o art. 175 da CF, estes sejam prestados diretamente aos administrados sem a cobrança de qualquer tarifa, remunerando-
se o concessionário por contraprestação versada em pecúnia pelo concedente.

Da leitura dos referidos dispositivos, conclui-se que as funções de diretor, chefia de serviços e de assessoramento técnico, devem ser exercidas por agentes públicos, não sendo passíveis de terceirização.

Pode-se, ainda, acrescentar as funções próprias do cargo de agente penitenciário, que também não poderão ser transferidas à iniciativa privada, sob pena de constituir uma burla à regra constitucional do concurso público.

Como a execução da pena cabe diretamente ao Estado-Administração, que tem a obrigação de garantir a integridade física e moral dos condenados, assegurada pela Constituição Federal, somada a impossibilidade de transferência de prerrogativas públicas à iniciativa privada, os Estados brasileiros que vêm adotando esta forma equivocada de terceirização têm indicado, para o exercício da função de direção dos presídios, servidores públicos, ocupantes de cargo de carreira na esfera da Secretaria de Segurança Pública. Ocorre que, como corretamente assevera Sérgio Pinto Martins, uma das regras para determinar a licitude da terceirização de serviços seria “d) a direção dos serviços pela própria empresa terceirizada”9. Nesta mesma linha, Edite Hupsel e Leyla
Bianca Correia Lima da Costa, afirmam que “o terceirizante não pode ser considerado como superior hierárquico do terceirizado e nem o serviço prestado por determinada pessoa indicada pelo terceirizante” 10. Dessa maneira, conclui-se que há o desvirtuamento ilícito da terceirização de serviços penitenciários, explicitado na tentativa de solucionar a intransponível impossibilidade de terceirização de funções típicas do quadro de pessoal penitenciário, que somente podem ser admitidos através de concurso público.

Ademais, alguns dos contratos de prestação de serviços penitenciários, que vêm sendo firmados por Estados brasileiros, estabelecem a prestação de serviços de segurança interna da unidade penitenciária pela empresa contratada, serviço este que para ser efetivado necessita do exercício de prerrogativas próprias da Administração Pública, intransferíveis à iniciativa privada, constituindo, inclusive, atribuição típica do cargo de agente penitenciário.

É cediço que a Constituição Federal, no seu art. 37, II, determina a obrigatoriedade do concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo ou emprego público. Assim, não poderão ser objeto de execução indireta, atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade11. Some-se a isso, o fato de que as pessoas que não estão legalmente investidas em cargos, empregos ou funções públicas, não podem praticar qualquer tipo de ato administrativo que implique decisão, manifestação de vontade, com produção de efeitos jurídicos, somente podendo executar atividades estritamente materiais12.


9 Martins, Sérgio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001. p. 143.
10 Hupsel, Edite e Lima da Costa, Leyla Bianca Correia. A Gestão Fiscal Responsável e a
Terceirização na Administração Pública In www.oab-ba.gov.br, pesquisa realizada no dia 12/09/03, às 15:30 horas.
11 Este é o entendimento do Tribunal de Contas da União, que acabou levando o Governo Federal a baixar o Decreto nº 2.271/97, dispondo nesse sentido.
12 Nesse sentido é o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Cf. Parcerias na
Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 178).

Com efeito, somente através de contratos administrativos de permissões ou concessões de serviços públicos é que se admite a transferência, para particular, de poderes e prerrogativas próprias da Administração Pública, razão pela qual são as únicas hipóteses em que se admite a transferência de execução de serviço público ao particular13. Neste sentido é que Jorge Sarmiento García aduz que são outorgadas ao concessionário de serviço público prerrogativas de poder público, entre elas o exercício de certos poderes de polícia interna relacionados com a organização do serviço14. Nesse diapasão, reafirmamos que a transferência de poderes administrativos não pode ser objeto de contrato de terceirização de serviços penitenciários, firmado nos moldes da Lei nº 8.666/93.

Por outro lado, também é descabida a transferência dos serviços penitenciais ao particular através do regime de concessão ou permissão, nos moldes da Lei nº 8.987/95, posto que tal regime se caracteriza pela remuneração do prestador através de tarifas, pagas pelos usuários, inaplicável na hipótese em análise.

Quanto à utilização do novo modelo de concessão, estabelecido pela Lei nº 11074/04 (Lei ds PPPs), pensamos não ser viável para os fins estatais, no que concerne à transferência dos serviços penitenciais à iniciativa privada. Segundo o art. 4, II, da Lei das PPPs, “funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”, são consideradas pela lei como indelegáveis. Quanto ao poder de polícia, este se traduz no mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual15. Alguns o interpretam como “exercício do poder de autoridade”, ou seja,
de coação. Diante disto questiona-se se poderia ser utilizada as PPPs para os serviços penitenciais. Em tese, poder-se-ia pensar na utilização da concessão administrativa. No entanto, pensamos que os impedimentos abordados também se aplicam a esse tipo de contrato. Assim, não pode ser transferida à iniciativa privada o policiamento, direção e disciplina do presídio. Aliás este também é o posicionamento apresentado por Carlos Ari Sundfeld em artigo intitulado “Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas”16.

Hoje, no Brasil, contamos com alguns Estados que adotam o regime de terceirização de serviços, como, por exemplo, Bahia(Valença), Ceará (Cariri) e Paraná (Guarapuara). Esquece-se das irregularidades de natureza administrativas, existentes e já demonstradas desse tipo de terceirização, e valoriza-se a eficiência dessa transferência de serviços que se aflora quando comparada aos presídios administrados diretamente pelo Estado. Tal valorização, no entanto, precisa ser questionada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página