A desativação do Instituto Penal Agrícola (IPA) de Rio Preto levanta
a possibilidade do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) “Prof.
Noé Azevedo”, antigo IPA de Bauru, ter outra destinação. Os presídios
do regime semiaberto de São Paulo focados no trabalho rural já não
atendem mais a realidade do sistema penitenciário paulista.
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O JC apurou,
a partir de conversas de bastidores entre lideranças políticas e forças
vivas da cidade, que as atuais instalações serviriam para a criação
de uma nova escola de formação de policiais militares direcionadas
a atender os candidatos aprovados em concurso público oriundos do
Interior do Estado, coerente com uma das principais vocações de Bauru
na atualidade que é a prestação de serviço em educação. O prédio
voltaria à sua antiga finalidade, como foi no passado, quando funcionava
uma escola agrícola.
Abrigando várias penitenciárias e centros de detenções provisórias,
que existem também na região, todos cobram do Estado uma
contrapartida na área de segurança pública, que poderia ser a
vinda da escola de soldados. Com uma logística perfeita, bem no
centro do Estado, com tradição na Polícia Militar paulista (Bauru tem
um dos batalhões pioneiros), a cidade poderia receber candidatos de
todas as regiões do Estado, num raio 250 a 300 quilômetros, e até
interessados de estados vizinhos.
Desde o êxodo rural da década de 70 no País, houve mudança
significativa no perfil dos presos do regime semiaberto em São Paulo.
É cada vez mais raro encontrar presos que vivem no campo - quase todos
têm origem urbana.
Por isso o modelo de presídio para manter atividades rurais
levou a rever o atual sistema que funcionava em Rio Preto
até dezembro de 2010, muito diferente da década de 50,
quando da criação dessas unidades prisionais semiabertas
que tinham objetivo de ressocializar o preso por meio do
trabalho no campo.
O IPA passou a ficar muito próximo do centro urbano, daí
a discussão de sua desativação em Rio Preto, perto de
bairros da zona sul, região de grande valorização no mercado
imobiliário. Após entendimentos entre a prefeitura e Estado, a
área foi entregue ao município para abrigar um Polo Tecnológico,
que ainda será instalado. Assim viabilizou o encerramento do IPA
rio-pretense e a transferência dos presos para outra unidade,
construída na rodovia de acesso à cidade de Onda Verde, com
estrutura mais moderna.
A reportagem apurou com fontes ligadas às autoridades governamentais
que o IPA bauruense precisa ser rediscutido. Quando ele foi inaugurado
em Bauru, em 12 de junho de 1955, na gestão do governador Jânio
Quadros, suas instalações ficavam bem longe do Centro de Bauru.
Antes de virar presídio semiaberto, desde 1942 funcionou a antiga
Escola Prática de Agricultura “Prof. Gustavo Capanema”, que acabou
fechada. A transformação em presídio gerou polêmica. (leia texto na
página seguinte)
Igual a Rio Preto, o IPA nasceu sob protestos da população. A escola
agrícola que seria construída no local, em área de 1,4 mil hectares, se
transformou em presídio, apesar da forte pressão política contrária por
parte do então deputado Cenobelino de Barros Serra.
Em Bauru, também houve movimento contra, mas não adiantou: a
unidade foi inaugurada no dia 12 de junho de 1955 e a de Rio Preto
em 18 de julho daquele mesmo ano.
Passados 58 anos, o presídio semiaberto localizado na zona rural
junto à rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (Bauru-Marília),
no km 343, em uma área rural de 271 alqueires, já é um “estorvo” aos
moradores bauruenses.
A partir da promulgação da Lei de Execuções Penais, em 1984, as
fugas foram facilitadas pelas saídas temporárias, cinco ao longo do
ano.
A criação dos Centros de Progressão Penitenciária provocou o
desaparecimento da unidade prisional agrícola de Rio Preto e pode
influenciar o “efeito dominó”: a unidade de Bauru seria a bola da vez
para ter outro destino. A utilização dos seus amplos espaços para
uma escola de formação de PMs é uma das alternativas.
Isso não prejudicaria o sistema carcerário por já concentrar na região 21 estabelecimentos prisionais subordinados à Secretaria da Administração
Penitenciária (SAP), cinco cadeias públicas à disposição da Secretaria de
Segurança Pública, além de quatro pertencentes à Fundação Casa,
totalizando cerca de 22.110 encarcerados.
As atuais instalações do IPA de Bauru compreendem um prédio
administrativo, tombado pelo patrimônio histórico cultural, diversos
pavilhões, que abrigam os reeducandos, residências, que são utilizadas
para a moradia de alguns funcionários, auditório, com capacidade para
300 pessoas, duas cozinhas, que são utilizadas para o preparo de
alimentos dos funcionários e reeducandos. Essa estrutura toda
poderia voltar à sociedade para a destinação inicial da década
de 40, justamente a área de educação.
Escola de formação
A reportagem apurou que há demanda crescente para a contratação
de policiais militares. Atualmente, a PM conta com a Escola Superior
de Soldado Coronel PM Eduardo Assumpção, na capital, porém é
necessário manter unidades formadoras espalhadas pelo Estado
para atender o Interior. Em tempos de aumento no índice de
]criminalidade, a segurança pública precisa cada vez mais do
policiamento ostensivo, atribuição da Polícia Militar para a
prevenção do crime.
E isso passa pelo aumento de efetivo na corporação. Atualmente,
para ingressar na carreira policial é fazer concurso público. E
conforme a classificação o candidato aprovado é enviado para
uma escola de formação da capital ou nas unidades mantidas
nos batalhões espalhados pelo Interior.
Bauru, por exemplo, no Comando de Policiamento do Interior CPI/4,
tem capacidade para formar 140 policiais, porém atende no momento
110 por conta de ceder salas para a ampliação do Centro das Operações
da Polícia Militar.
As demais cidades com unidades de formação são São José dos
Campos, Ribeirão Preto, Rio Preto, Santos, Sorocaba, Franco da
Rocha (de formação de bombeiros), Limeira e uma na capital para
formação de policiais rodoviários. Também abrem-se cursos
esporádicos nos batalhões de Marília e Ourinhos. Uma segunda
escola em uma cidade bem localizada geograficamente possibilitaria
juntar todos esses núcleos num único local, o que também melhoria
a qualidade do ensino.
Há demanda para repor os policiais por conta de aposentadorias,
desligamentos e demissões dos quadros de praça da PM. Todo
ano são abertas as inscrições para novas contratações, mas a
estrutura precisa de ser ampliada. Bauru no centro do Estado
atenderia as principais cidades do Interior num raio de mais de
250 km. O centro de formação da Capital ficaria encarregado
pelos alunos aprovados da Grande SP e do Litoral.
Concurso disputado
No último edital, conforme publicação no Diário Oficial, foram
abertas vagas para 2.369 cargos, na graduação inicial de soldado
PM da 2ª Classe masculino e feminino, em caráter de estágio
probatório. A remuneração inicial é de R$ 2.563,28. O concurso
é bem disputado. O último teve 60 mil inscrições.
O candidato é submetido à prova escrita - objetiva - de caráter
eliminatório e classificatório na parte I, mas a parte II tem prova
Redação, também de caráter eliminatório e classificatório. Depois
disso o candidato vai passar por exames de saúde, psicológico e
de investigação social.
Há exigências na inscrição, idade mínima de 18 anos e no
máximo 30 anos; ter concluído o ensino médio ou equivalente;
estar em dia com as obrigações eleitorais e militares; ser habilitado
para condução de veículo motorizado nas categorias “B” a “E”; ter
no mínimo, descalço e descoberto, 1,65 m de altura, se homem e
1,60 m de altura, se mulher.
O concurso de soldado tem uma característica diferente dos
demais certames de contratações de servidores públicos.
O policial precisa passar por um treinamento que dura dois anos
após ser aprovado. A primeira parte é um curso teórico de oito
meses (por conta de mudanças no currículo neste ano passou
para seis meses de duração) e o prático (que vai passar de seis
para oito meses) em que o aluno aprende uma série de procedimentos:
policiamento ostensivo a pé, bloqueio para fiscalização de veículos,
policiamento de eventos artísticos, entre outros. Ao todo são 43
matérias no básico e 16 no modo especializado. Diante disso, as
instalações do IPA contemplariam abrigar a nova escola de formação
de soldados, de acordo com levantamento feito pelo JC.
Maior contrabandista e último ‘tokkotai’ cumpriram pena no IPA
O antigo Instituto Penal Agrícola (IPA) já recebeu para cumprimento
de pena envolvidos em crime de grande repercussão. Dentre eles
estão Law Kin Chong, apontado pela Polícia Federal (PF) como o
maior contrabandista do Brasil, e Tokuiti Hidaka, que pertenceu a
Shindo Renmei, a Liga do Caminho dos Súditos, uma organização
secreta japonesa que se uniu para exterminar os próprios japoneses
que acreditavam na derrota do País na Segunda Guerra Mundial.
O empresário chinês Law Kin Chong cumpriu o restante da pena de
quatro anos de detenção a que foi condenado até junho de 2007 no
presídio de Bauru. Ele foi condenado por tentar subornar, com US$ 2
milhões, o presidente da CPI da Pirataria, deputado Luiz Antonio Medeiros
(PL), para suavizar sua participação em crime de falsificação de
mercadorias e lavagem de dinheiro.
A permanência do empresário chinês foi tranquila sem incidentes
no período que permaneceu no semiaberto. Chong foi transferido
da Penitenciária de Guarulhos de avião para o semiaberto de Bauru.
O bom comportamento do empresário chinês motivou o Supremo
Tribunal Federal (STF) afastar o impedimento de progressão e
possibilitou a ele cumprir o restante da pena em liberdade. Quando
da permanência no IPA, Chong trabalhou no refeitório.
Quem também cumpriu o restante da pena no semiaberto
bauruense foi Tokuiti Hidaka, integrante da Shindo Renmei a
organização secreta envolvida na execução de 23 imigrantes e
espancamento de outros 150. Como “tokkotai” - assim eram
chamados os soldados do Imperador -, Hidaka foi acusado de
participação e execução de dois japoneses que, segundo ele,
por “traírem a pátria”.
Em entrevista ao jornalista Neto Del Hoyo do Jornal da Cidade
em outubro do ano passado, Hidaka relembrou que, após 20
anos no regime fechado, conseguiu a progressão de pena para
o semiaberto e permaneceu no IPA até ser libertado. “Em Bauru
fiquei uns dois anos. Foi a última vez que fiquei preso. De lá fui
para São Paulo, com condicional e só dormia na cadeia. Fomos
a terceira leva do IPA”, relembrou.
Nesse período, conta, como parte da ressocialização, chegou
até a assistir ao jogo de futebol do Noroeste contra Ponte Preta
no estádio Alfredo de Castilho sem escolta policial.
A Shindo Renmei aterrorizou o Interior de São Paulo no final dos
anos 50. Com a rendição do Japão em agosto de 1945, a força
Aliada confirmava a vitória diante dos países que compunham o Eixo (Itália/Alemanha/Japão), colocando um ponto final na Segunda
Guerra Mundial. Do outro lado do planeta, este foi o início de uma
outra batalha, desta vez, entre os próprios japoneses.
No Interior paulista, cerca de 200 mil imigrantes formavam a maior
colônia fora do país oriental. E estes se viram divididos em dois
grupos: os que acreditavam e aceitavam a rendição, chamados de
traidores e apelidados de “corações sujos” pelo segundo grupo,
formado pelos que endeusavam o imperador Hirohito, acreditando
fielmente na vitória do Japão. Toda a história foi contada no livro “Corações
Sujos”, de Fernando Morais.
Hidaka contou ao JC que, apesar de fazer parte da Shindo Renmei,
nunca executou a mando de ninguém. Ele criticou o texto do livro e o
roteiro do filme, alegando que tudo não passou de ficção e que nunca
foi um “tokkotai”.
Ele negou ter tirado a vida de outros compatriotas que admitiram a
derrota do Japão, mas admitiu a sua participação na organização secreta.
Hidaka afirma que os assassinatos dos quais foi acusado, planejados
e executados com orientação militar, foram isolados e movidos pura e
simplesmente pelo sentimento de patriotismo de um grupo de japoneses
que não podia acreditar na queda do Imperador - uma figura divina para
seus fiéis súditos.
Após passar um longo período na cadeia, Hidaka, com 87 anos, é um
senhor pacato dono de uma bicicletaria e reside atualmente em Marília.
Prédio já abrigou uma escola agrícola
Na propriedade rural funcionou a Escola Prática de Agricultura Gustavo
Capanema; Jânio Quadros mudou essa história
Antes de abrigar o presídio semiaberto, na área do IPA, na zona rural de
Bauru, funcionou a Escola Prática de Agricultura Gustavo Capanema. O
que mais chamou atenção na época foi a decisão do então governador
Jânio Quadros de desativar a instituição de ensino e transformá-la em
estabelecimento penal com objetivo de ressocializar o preso por meio
do trabalho no campo.
O fechamento da escola agrícola ocorreu debaixo de muita polêmica.
Houve reação dos moradores bauruenses. O mesmo aconteceu em São
José do Rio Preto, outra cidade que tinha área semelhante para instalar
uma escola agrícola e cedeu para a instalação da unidade penal.
Apesar da forte pressão política contrária por parte do então deputado
Cenobelino de Barros Serra, em 18 de julho de 1955, a cidade de Rio Preto acompanhou a chegada ao IPA dos primeiros detentos vindos da Capital,
de acordo com o Diário da Região.
Em Bauru, a inauguração do semiaberto ocorreu em 12 de junho de
1955. Para o jornalista e ex-prefeito Nilson Ferreira Costa, a reação
contrária teria partido de Nicola Avallone Jr. Junior, o Nicolinha, que
se elegeria prefeito naquele ano numa acirrada disputa contra Octávio
Pinheiro Brisolla decidida por pequena margem de votos. “Na época
o Avallone programou o enterro simbólico do IPA como protesto, aquilo
causou uma espécie de rompimento dele com o governador Jânio”, conta.
O lançamento do projeto da Escola Gustavo Capanema ocorreu em
19 de abril de 1942 na gestão do prefeito Ernesto Monte no período
em que o Estado estava sob intervenção federal.
A instalação ocorre cinco anos depois. A primeira turma de técnicos foi
formada em 19 de junho de 1949, conforme o memorialista Irineu de
Azevedo Bastos. “A escola agrícola foi notável em termos de produção”,
revela.
A instituição mantinha internato, tinha 450 alunos, com professores do
chamado ensino básico, além de agrônomos e veterinários.
O professor e historiador João Francisco Tidei de Lima ressalta que
a escola agrícola de Bauru sediou em dezembro de 1952 a IIª Reunião
Interamericana de Produção Animal, com apoio da FAO (Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Estiveram presentes
na abertura - cujo evento irradiada pela PRG-8 Bauru Rádio Clube pelo
locutor Hélio de Aguiar - o ministro da Agricultura, João Cleofas, o
secretário estadual Pacheco Chaves, o prefeito de Bauru da época,
Nuno de Assis, representantes da França, Itália, e de 17 países latino
americanos, além de professores da Universidade de São Paulo (USP).
“Surpreendeu toda a cidade a desativação do estabelecimento três
anos depois. A escola tinha muito prestígio”, conta João Francisco.
Nem essa referência de boa qualidade de ensino conseguiu demover
Jânio Quadros de desativá-la.
Para João Francisco, em 1955 a sociedade bauruense se agitava para
protestar contra ato do governador, transformando a escola no IPA. Ele,
no entanto, não se lembra de quem liderou politicamente contra a criação
do presídio.
O memorialista Irineu Bastos afirma que a desativação da escola agrícola
para abrigar o semiaberto foi “retrocesso”. “O protesto foi geral no Estado
inteiro”.
O fechamento da escola ocorreu no primeiro governo de Nuno de Assis, ligado politicamente a Adhemar de Barros, adversário do então governador.
Luciano Dias Pires, editor do jornal Bauru Ilustrado, suplemento mensal do
JC, cita que o fechamento da escola agrícola resultou numa espécie de “compensação” à cidade.
Jânio Quadros autorizou posteriormente o funcionamento da Faculdade de Odontologia, ligada à Universidade de São Paulo (USP), em Bauru, por
conta da desativação da Escola Gustavo Capanema. A instituição de ensino
superior já tinha sido criada, mas estava demorando para entrar em funcionamento.
Instituto Penal tem nome trocado para CPP
Apesar de ficar na memória do bauruense pela sigla IPA, o presídio
semiaberto a partir de 1973 passou a se chamar Instituto Penal Agrícola
“Prof. Noé Azevedo” de Bauru.
De acordo com o portal da Secretaria de Administração Penitenciária
(SAP) na Internet, o homenageado exerceu por várias décadas a função
de membro do Conselho Penitenciário, sendo um dos precursores da
implantação dos estabelecimentos abertos no País.
Mas em agosto de 2011, teve sua denominação e organização alterada
para Centro de Progressão Penitenciária (CPP) “Prof. Noé Azevedo”
de Bauru.
O presídio continua ocupando o prédio, cuja arquitetura é de Ramos
Azevedo e foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural
do Município (Condepac). Isso significa que qualquer alteração em suas
instalações depende de autorização do órgão.
Segundo a SAP, o complexo é dividido em três pavilhões habitacionais
e subdivido em 16 alojamentos, com capacidade para abrigar 1.119
reeducandos do sexo masculino. No site, porém, informa a capacidade
para 500 detentos e até 25 de julho deste ano havia 1.070.
O pavilhão escolar conta com seis salas de aulas, uma sala de áudio e
vídeo, uma sala de artes e uma biblioteca.
O pedido de tombamento do IPA foi feito pela ex-vereadora Majô
Jandreice (PC do B), por intermédio da Câmara de Bauru, em 2006,
pelo valor histórico e arquitetônico e também por pertencer a inúmeras
obras do arquiteto Ramos de Azevedo, responsável por muitos projetos
arquitetônicos no século passado em todo o Estado.
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